sábado, 29 de janeiro de 2011

Pablo Neruda - España en el corazón

Pablo Neruda, um dos maiores escritores de língua castelhana do século XX, Nobel de Literatura em 1971, nasceu em Parral, no Chile, em 12 de julho de 1904. Faleceu em 23 de setembro de 1973, em Santiago do Chile.
Publicado em 1936, ano em que estoura a Guerra Civil Espanhola, o poema España en el corazón, mostra o horror e a destruição no país dividido em diversas regiões. Neruda, que nessa mesma época era consul do Chile em Madri, foi destituído do cargo. Nesse mesmo ano , Neruda também perdera muitos amigos na Guerra Civil, entre eles, o grande poeta e escritor espanhol Garcia Lorca. No poema, Neruda conta como era a pacata e alegre vida em um bairro de Madri, e como, de repente, tudo isso se transformou. Uma ótima ilustração, embora com uma boa dose de lirísmo, de um intelectual que vivera a Guerra Civil.


ESPAÑA EN EL CORAZÓN

Perguntareis: e onde estão os lilases?
E a metafísica coberta de papoulas?
E a chuva que frequentemente batia
nas suas palavras enchendo-as
de buracos e pássaros?

Vou contar-vos tudo o que se passa comigo

Eu vivia num bairro de Madri
com sinos,
com relógios, com árvores.

Dali se via
o rosto seco de Castela
como um oceano de couro.

Minha casa era chamada
a casa das flores, porque por todas as partes
estalavam gerânios:
era uma bela casa
com cães e crianças.
Raul te lembras?
Lembras-te Rafael?
Frederico, te lembras
debaixo da terra,
te lembras da minha casa com sacadas onde
a luz de junho afogava flores na tua boca?
Irmão, irmão!
Tudo
eram grandes vozes, sal de mercadorias,
aglomerações de pão palpitante,
mercados do meu bairro de Argüelles com a sua estátua
como um tinteiro pálido entre as bebedeiras.
O azeite enchia as colheres,
um profundo bater
de pés e mãos enchia as ruas,
metros, litros, essência
aguda da vida,
peixes empilhados, contextura de tetos com sol frio no qual
a flecha se cansa,
delirante marfim fino de batatas,
tomates repetidos até o mar.

E em uma manhã tudo estava ardendo
e uma manhã as fogueiras
saíam da terra
devorando seres,
e desde então fogo,
pólvora desde então,
e desde então sangue.
Bandidos com aviões e com mouros
bandidos com anéis e duquesas,
bandidos com frades negros abençoando
vinham pelo céu para matar crianças,
e pelas ruas o sangue das crianças
corria simplesmente, como sangue de crianças.

Chacais que o chacal rechaçaria,
pedras que o cardo seco morderia cuspindo,
víboras  que as víboras odiariam!

Diante de vós vi o sangue
de Espanha se levantar
para vos afogar numa só onda
de orgulho e de punhais!

Generais traidores:
olhai a minha casa morta,
olhai a Espanha arrebentada,
mas de cada casa morta sai metal ardendo
em vez de flores,
mas de cada buraco de Espanha
sai Espanha,
mas de cada criança morta sai um fuzil com olhos,
mas de cada crime nascem balas
que vos encontrarão um dia o lugar
do coração.

Perguntareis por que a sua poesia
não nos fala do sonhos, das folhas,
das grandes montanhas de sua terra natal?

Vinde ver o sangue pelas ruas!
Vinde ver o sangue de Espanha!

Vinde ver o sangue pelas ruas!

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