segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Apologia da História ou o ofício de historiador - Resenha


Escrito em cárcere, “Apologia da História ou o ofício de historiador” é o último livro de Marc Bloch, livro este que além de carecer oficialmente de fontes não foi finalizado pelo fato de em 1944, Marc Bloch ter sido fuzilado por Klaus Barbie, pois fazia parte da resistência francesa, ou seja, um intelectual (ou “erudito” nas palavras do próprio Bloch) engajado em seu tempo como o historiador defende neste livro.

A ação do homem no tempo, eis o objeto da história, e o autor estabelece como tal durante o primeiro capítulo desconstruindo a ideia de que o objeto da história seria o passado como afirmara tanto a historiografia tradicional, a Escola Metódica.Ora, o que é o passado e o próprio tempo sem o agente histórico para definir tais elementos?Bloch ainda critica a história dos grandes acontecimentos e grandes nomes.”Há nesse sentido, uma história do sistema solar” ironiza o autor fazendo uma analogia com a astronomia, ainda que os grandes nomes não deixem de ser também agentes históricos.É necessário também, para Bloch, contextualizar o momento histórico, “nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo de seu momento”, afinal, o homem é fruto de seu tempo como Bloch insiste em deixar claro ao longo do capítulo, sendo assim, é necessário saber as causas de determinadas ações, perceber onde e quando está inserido o agente histórico, e isso se aplica também aos próprios historiadores: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado.Mas talvez não seja menos vão esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do presente.”

Bloch segue desmontando a ideia de história verdade, os objetos de estudo do historiador são demasiados distantes, portanto, não podemos afirmar precisão de conhecimento do objeto estudado.É estabelecido aqui, um princípio científico importantíssimo, um caráter hipotético que mais tarde o filósofo Karl Popper aplicará a todas as ciências em sua teoria do conhecimento, afinal, o conhecimento histórico, tal como o conhecimento científico num todo, se modifica, se aperfeiçoa.Isso inclui para o cientista, assumir a ignorância quando determinado conhecimento se mostra ainda inviável.Segue-se ampliando a noção de fonte, um historiador não deve apenas se ater aos documentos, mas ter também como objeto de análise determinados acessórios que condizem e/ou que estão inseridos no momento histórico estudado, amplia-se nesse sentido, a própria noção de documento além de colocar em contextualização os objetos que auxiliam a pesquisa.Entretanto, é preciso também esclarecer que ao contrário do que diz o positivismo, o documento não fala por si só, tudo depende da posição do historiador enquanto questionador.

Apesar de tamanha importância do agente histórico, da ampliação da ideia de documento e do sugerido zelo pelos relatos, Bloch alerta:

Que a palavra das testemunhas não deve ser obrigatoriamente digna de crédito, os mais ingênuos dos policiais sabem bem.Livres, de resto, para nem sempre tirar desse conhecimento teórico o partido que seria preciso.Do mesmo modo, há muito tempo estamos alertados no sentido de não aceitar cegamente todos os testemunhos históricos.(pág. 89)

Mas é preciso também ser cuidadoso com a incredulidade, o historiador critica também o ceticismo por si só, o ceticismo inerte que não se sustenta, faz no capítulo III uma genealogia da dúvida usada como método crítico na construção do conhecimento além de sua contribuição para o próprio método científico, e a história, sendo uma ciência, deve apropriar-se cientificamente de tal dúvida.Essa dúvida deve se fazer presente no próprio questionamento ao documento, pois o mesmo não se torna menos válido pela falta de veracidade, é preciso saber as intenções, interesses por trás de determinadas falsificações e suas conseqüências.Para Bloch, tais conhecimentos não são menos válidos do que o que se sabe sobre as ações oficiais, legítimas.Bloch indica um uso do método crítico para a história, “a crítica move-se entre esses dois extremos: a similitude que justifica e a que desacredita”.Método esse que também poderá ser usado para distinguir o documento autêntico do falsificado além de trazer à crítica a interdisciplinaridade proposta desde a introdução do livro; utiliza-se (na crítica) a estatística e a lingüística por exemplo.

O próximo passo é refutar a ideia de neutralidade do historiador, usando como exemplo a figura do juiz, questiona se devemos julgar ou compreender, após reflexiva análise sobre o julgamento que historiadores durante muito tempo fizeram, Bloch conclui que devemos nos ater à compreensão, mas sem negar que trazemos conosco nossos preconceitos, nossas convicções e visão de mundo, sem negar, citando Rousseau, que a sociedade nos corrompe, mas aqui uso tais palavras num sentido mais leviano.Bloch ressalta ainda a importância do diálogo com outras ciências e persistindo que ainda que tenhamos uma gama de especialistas para determinado assunto, não poderemos conhecê-lo em sua totalidade.

No capítulo inacabado, o historiador discorre sobre a causalidade na história, retomando tal conceito que fora negado pelo positivismo mas também evitando demasiada preocupação com o assunto visto que a mesma poderia trazer um olhar teleológico.Faz também uma crítica ao positivismo mas reconhecendo seus aspectos que não foram descartados pelos Annales, um deles é estabeler a história como ciência, além de citar durante o livro seus professores da Escola Metódica além de outros historiadores positivistas que trataram de assuntos que o próprio Bloch em seu último livro viria a discutir com mais profundidade.

“Apologia da História” é leitura essencial para a formação do historiador, através deste livro, Marc Bloch amplia a noção de documento, a possibilidade de objetos de estudo e quebra paradigmas conservadores no que se trata de fazer ciência.

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